Esse texto tem como objetivo
servir como um apoio para as lives de História e História da Arte realizada no
perfil no instagram @tuifotografia. No texto de hoje vamos fazer uma análise
histórica do filme Princesa Mononoke dos estúdios Ghibli. Serão relacionados o
período Muromachi e o Xintoísmo, esse presente em quase todos os filmes desse
estúdio. Esse texto contém spoilers de cenas sobre o filme.
Para começar a análise vamos a
uma breve apresentação do que é o xintoísmo. O primeiro registro gráfico dessa
religião data do século XIII e foi uma compilação de tradições orais já
existentes. O xintó, seria o caminho dos espíritos, e é a espiritualidade
tradicional japonesa. Sendo uma religião por assim dizer politeísta, foi a
união de várias crenças em comum no território japonês. Esses deuses, chamados
de Kami, podem ser bons ou ruins, podem ser os animais, os elementos ou a
natureza como um rio ou uma montanha. Eles não estariam em outro plano, como as
religiões ocidentais compreendem, mas sim no mesmo plano e convivendo junto aos
humanos. O Xinto não teria sido formado com um único autor, foram várias
tradições originárias da observação da natureza e da relação do homem com ela
que juntas foram essa religião. Mas o próprio povo japonês vê o xintoísmo como
um dever cívico japonês e não como uma religião propriamente dita. Podemos
resumir o Xintoísmo em uma religião onde mostra a relação do homem com os
espíritos a sua volta, espíritos que podem ser da natureza ou dos seus
ancestrais e há sempre uma comunicação entre eles e uma causa de ação e reação.
No filme podemos apontar o
elemento principal do xintoísmo que é o Deus Cervo. Ele surge como uma criatura
divina que tira e dá a vida. O cervo para a simbologia é como um mediador entre
os dois mundos, tendo um papel parecido inclusive na cultura dos índios norte
americanos e nos celtas. Nesse filme ele é como a entidade maior da floresta e
a sua cabeça é cobiçada pelos mortais, mas apenas os outros espíritos sabem
exatamente onde fica a ilha onde ele muda de forma. Como dito antes, os humanos
podem ver esse deus, ele está no mesmo plano material que eles, e por ter esses
poderes da vida e da morte ele tentam cobiçar a sua cabeça. A própria Princesa
Mononoke, que leva o nome do filme, também representa um espírito. O nome
traduzido seria espírito revoltoso, e os japoneses usam esse termo para quando
algo de ruim acontece sem explicação aparente. Ela foi criada por outros kami
em forma de lobos e por tanto tem os mesmos princípios que eles e tenta atacar
a líder do grupo de mineradores. Outros personagens presentes no filme são o
grupo de espíritos de macacos que ameaçam comer o corpo adormecido de Ashitaka.
Eles argumentam que queriam ficar tão fortes quanto ele para poder defender
melhor a floresta, pois o grupo de mineradores estava destruindo-a. Esses
espíritos podem não ser o eixo principal do filme, mas trazem a mensagem mais
claramente de porque os espíritos da floresta estarem atacando o grupo de
humanos exploradores de ferro: eles estavam destruindo a floresta de forma não
sustentável. Por fim podemos citar as pequenas bolotas que aparecem aos montes,
os kodama. Criação do próprio diretor, eles seriam eco, são espíritos menores que ainda sim tem
certa influência, sem uma função aparente além de andar aparentemente sem rumo
e fazer o barulho característico com a cabeça, esses espíritos podem simbolizar
a riqueza em detalhes do Xintoísmo, onde todos os espíritos e humanos interagem
no mesmo plano e os acontecimentos podem não ter um motivo tão explícito ou uma
função tão clara.
O filme se passaria no período
Muromachi, entre 1336 e 1573. Nesse período a principal capital é Kyoto. Esse
período é dentro do período feudal japonês (Xogunato), o período Muromachi foi
um período de instabilidade política, em uma tentativa de estabelecer o poder
imperial e com a divisão em províncias influentes que levou a separação entre a
Corte do Norte e a Corte do Sul. Só no final do período é que foi restabelecido
para apenas uma corte, porém os conflitos de interesse políticos entre as províncias
continuaram. É muito importante pontuar também que foi nesse período que o
Japão começou a ter fortes ligações exteriores, principalmente com a China e a
Coréia. Foi quando chegaram novas formas de fé como o budismo e o
confucionismo. Os japoneses trocavam madeira, enxofre, minério de cobre e
ferro, espadas e leques por seda chinesa, porcelanas livros e moedas. Também
foi nesse período a chegada dos portugueses, em 1543, desenvolvendo o mercantilismo
no país, e também trouxeram o cristianismo enquanto mantinham relações
comerciais. No período Edo, o cristianismo foi considerado uma grande ameaça
estrutural e os cristãos foram perseguidos e mortos. O principal porto de
comércio entre o Japão e a Europa foi fundado em 1571 em Nagasáqui.
Podemos ver na animação
japonesa “A Princesa Mononoke” que aparece uma arma de fogo chamada Ishibiya.
Essa arma foi introduzida no Japão pelos portugueses nesse período, mas
acredita-se que já era uma arma comum na China, país que inventou a pólvora. No
filme a arma é usada pelos homens da Lady Eboshi, uma mulher que explorava o
minério de ferro e incentivava um grupo de camponeses a explorar o minério para
ela em troca de segurança e recursos. Lady Eboshi é uns dos personagens que
tenta matar o deus cervo, que representa no xintoísmo representa a vida e a
morte, em uma batalha travada entre humanos e as divindades da floresta,
Shishigami. Essa batalha simboliza a introdução da exploração mercantilista no
Japão. Quando um estrangeiro (que pode ser o chinês ou o português), aqui Lady
Eboshi, entre na cultura e convence o povo a explorar a terra de uma maneira
não sustentável. O final do filme se dá com uma conciliação entre Ashitake, um
jovem príncipe de uma tribo Emishi, e Mononoke Hime e os Shishigame. Trazendo
para o contexto histórico, Ashitake pode representar o japonês ainda não
influenciado pelo estrangeiro, por ser um jovem vindo de uma província distante
que ainda é muito fiel as tradições, e a Mononoke Hime, uma princesa que foi
criada por um Shishigame, que é como uma ponte entre os humanos e esses
espíritos. Essa conciliação feita por esses personagens significa uma proposta
para uma exploração sustentável da natureza ou um aviso aos humanos de que não
se pode explorar a terra sem ter consequências. Os humanos que estavam indo
contra os espíritos da floresta são a representação do distanciamento das
antigas tradições e mostram muitos deles machucados por trabalharem de forma
tão ambiciosa com o minério de ferro. Volto a pontuar que esse minério de ferro
era uns dos principais produtos de exportação no período Muromachi.
Portanto podemos concluir que
o filme Princesa Mononoke representa um conflito sobre a exploração não
sustentável da natureza. Colocando que a ambição do homem pode gerar graves
consequências e até a mata-lo. O período Muromachi foi o período de introdução
do país na prática mercantilista, quando o país estava em conflito de
interesses políticos e começo do comércio com os países estrangeiros. O filme
dos estúdios Ghibli mostra de uma forma fantasiosa e direta como que a história
e as mensagens de consciência social podem ser passadas através da arte.
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